Jovens brasileiros classificados como ‘falsos turistas’ em aeroportos argentinos por estudar em universidades locais. Polêmica sobre acordo bilateral e resistência às novas regras de imigração.
Os estudantes brasileiros têm enfrentado desafios cada vez maiores ao viajar para o exterior em busca de oportunidades de estudo e trabalho. Muitos relatam experiências frustrantes e constrangedoras, como a da Maria, que teve sua entrada negada na Argentina. A falta de preparo das autoridades migratórias e a burocracia excessiva têm sido um obstáculo para aqueles que buscam ampliar seus horizontes acadêmicos.
Enquanto os alunos brasileiros enfrentam dificuldades, os estudantes estrangeiros encontram um ambiente mais acolhedor e propício para suas experiências acadêmicas no Brasil. A troca de conhecimento e cultura entre os estudantes brasileiros e estrangeiros é enriquecedora para ambas as partes, promovendo a diversidade e o intercâmbio cultural. É importante que as barreiras burocráticas sejam superadas para que mais pessoas possam desfrutar dos benefícios da educação internacional.
Resistência maior na recepção dos estudantes brasileiros
Maria relata que foi sincera no setor de imigração ao informar que estava viajando para estudar e que sua passagem de volta dependia do calendário acadêmico. Ela apresentou toda a documentação da instituição de ensino e explicou que pretendia solicitar o direito à residência em Buenos Aires.
✈️Um grupo de mais de 30 estudantes brasileiros decidiu estudar nas faculdades argentinas devido à falta de vestibular e aos custos baixos das mensalidades. No entanto, eles foram impedidos de ingressar no país vizinho nos dois primeiros meses de 2024, mesmo seguindo todos os protocolos tradicionalmente aceitos desde 2009:
- entrar na Argentina como turista, apresentando apenas o RG;
- solicitar o visto de estudante ou residência permanente após a chegada em solo argentino (saiba mais abaixo).
❌Porém, desde o início do ano, sem aviso prévio, as autoridades migratórias passaram a exigir que os alunos chegassem a Buenos Aires com toda documentação pronta – caso contrário, poderiam ser barrados.
Advogados e professores de relações internacionais consultados pelo g1 apontam para uma resistência maior por parte da gestão do novo presidente, Javier Milei, em relação aos estrangeiros. Já o governo argentino alega que ‘nada mudou’.
Por que foi o caso dos estudantes barrados?
Arthur Murta, professor de relações internacionais da PUC-SP, explica que há uma ‘falha’ no acordo.
‘O texto apenas menciona que, estando em solo argentino, o brasileiro pode solicitar residência.
Porém, não especifica sobre a admissão no país [ou seja: se a pessoa chegará com visto de turista ou não]. Milei está se utilizando disso para barrar os estudantes estrangeiros: passou a exigir passagem de volta ou visto de estudante’, declara.
‘O presidente argentino está agindo de forma ilegal? Não.
Todo país tem o direito de negar a entrada de alguém em seu território, desde que a pessoa não cumpra algum requisito migratório ou seja vista como uma ameaça.’ No entanto, para o professor, no caso dos estudantes brasileiros barrados, houve uma ‘criminalização da migração’, pois eles não foram informados previamente sobre quaisquer mudanças nos critérios de admissão no país.
‘O que Milei está fazendo segue o padrão da extrema-direita internacional.
Brasil e Argentina sempre tiveram uma relação diplomática muito bem estabelecida, mesmo em momentos politicamente antagônicos.’
Natalia Fingerman, professora de relações internacionais do Ibmec-SP, também destaca que, antes do governo Milei, solicitar o direito à residência após a chegada à Argentina nunca foi um problema.
‘Alterar isso foi uma medida autoritária e unilateral para reduzir o fluxo de estudantes estrangeiros. É algo que vai além do jogo diplomático, sem aviso ao Ministério das Relações Exteriores’, afirma.
Segundo o g1, o Itamaraty afirma que o acordo bilateral Brasil-Argentina permanece em vigor, sem alterações, mas que ‘a percepção das autoridades migratórias argentinas agora é de uma aplicação mais rigorosa da regra [de imigração]’. A assessoria do setor de migração do governo da Argentina também alega que nada mudou, mas não reconhece qualquer rigidez maior no controle de imigração no momento.
‘Não houve e não haverá qualquer modificação na legislação migratória argentina. De janeiro a fevereiro, 30 brasileiros foram impedidos de entrar no país. Isso representa menos de 0,5% do total de brasileiros que chegaram neste período.
Os números são muito semelhantes aos de 2023′, afirma a representante do órgão ao g1. ‘Para entrar como turista, é necessário cumprir os requisitos de turista, como a passagem de volta. Não é possível ser meio turista, meio estudante. Sempre foi assim.’ A advogada Amaran, que orientou alguns dos estudantes barrados de forma gratuita, questiona a versão oficial do governo argentino.
‘Vamos supor que estejam corretos e que sempre tenha sido obrigatório possuir visto de estudante antes da viagem. Eles fecharam os olhos desde 2009, então? Ninguém solicitava o visto no aeroporto antes’, declara.
‘Não poderiam ter emitido um comunicado para evitar que as pessoas passassem por isso? O que me incomoda é que sonhos e vidas foram arruinados. Tenho clientes que não conseguirão retornar.
Era a oportunidade deles. Não dispõem mais de recursos para pagar outra passagem.’
‘Desperdicei todas as minhas economias’
Maria, citada no início da matéria, afirma estar ‘desorientada’.
‘Já chorei muito e estou ansiosa. Meus planos atrasaram pelo menos um semestre. Saí da faculdade no Brasil para ir para lá, não estou mais empregada, não estou realizando trabalhos extras.
Todos os meus planos, A, B, C e D, envolviam estar estudando na Argentina. Desperdicei todas as minhas economias na preparação. Porém, não vou desistir’, manifesta.
João, também barrado no aeroporto, enfrentou uma situação similar: informou às autoridades migratórias que iria estudar medicina e, por isso, não tinha passagem de volta. ‘Não me permitiram nem argumentar.
Fui enviado de volta, depois de ser escoltado’, conta. Dessa forma, ele perdeu R$ 6 mil em um aluguel de acomodação. ‘Posteriormente, no Brasil, decidi tentar novamente, por terra desta vez. Viajei de ônibus e levei mais de 27 horas para chegar. Na fronteira, ninguém me pediu visto’, menciona.
‘Consegui chegar à Argentina e à faculdade, mas as coisas estão bastante complicadas.
Não disponho mais de recursos, não tenho de onde tirar. Minha alimentação está restrita, basicamente pão, arroz e feijão. O aluguel é muito caro. Não sei se terei condições psicológicas para prosseguir.’
Por que brasileiros optam por estudar na Argentina?
Conforme o Itamaraty, cerca de 20 mil brasileiros estão matriculados em instituições de ensino argentinas.
Geralmente, escolhem esse destino devido a:
- As universidades locais não requerem vestibular. Basta apresentar a documentação para se inscrever em qualquer curso.
A seleção ocorre durante a graduação: após o Ciclo Básico Comum (CBC), uma série de disciplinas gerais e comuns a todos os alunos, eles precisam atingir uma pontuação mínima nas avaliações internas. Aqueles que atingirem a pontuação podem continuar na faculdade (com oportunidades de recuperação para aqueles que não ‘passarem de primeira’).
‘Temos disciplinas básicas no CBC, como biologia, química, matemática, história e lógica. Muitos reclamam da dificuldade, mas ainda prefiro em comparação com o vestibular brasileiro’, afirma Beatriz Kraus, de 27 anos, que saiu de Florianópolis para estudar medicina na Universidade de Buenos Aires (UBA).
- Caso prefiram uma instituição privada, em vez de pública, as mensalidades são significativamente mais acessíveis.
‘Eu pesquisei faculdades particulares de medicina no Brasil, com a minha nota do Enem, mas mesmo com desconto, a mais barata era R$ 6 mil.
Na Argentina, varia de R$ 1 mil a R$ 2 mil’, relata João.
O que é necessário fazer agora para estudar na Argentina?
O Itamaraty aconselha os brasileiros a obter o visto de estudante antes da viagem.
Para isso, é essencial:
- reunir a documentação exigida pela embaixada ou pelo consulado argentino (como comprovante de renda, formulário de solicitação, antecedentes criminais etc.);
- agendar uma visita presencial ao consulado do estado onde reside (com base na disponibilidade do local);
- aguardar cerca de 7 dias para a emissão do documento, se estiver tudo em ordem.
Os vistos de estudante são gratuitos para os cidadãos do Mercosul, mas não permitem trabalhar na Argentina.
Se a intenção for conseguir um emprego no país vizinho, é indicado solicitar o visto de residência, que tem um custo aproximado de 550 dólares (cerca de R$ 2.700). Os consulados explicam, por telefone, que, ‘anteriormente’, ‘até era possível entrar como turista e mudar depois. No entanto, agora, é necessário ter visto’.
Lucas, o terceiro estudante barrado com quem o g1 conversou, não conseguiu obter o visto de estudante, pois, segundo as autoridades consulares, a renda familiar do jovem era insuficiente para se manter na Argentina sem trabalhar. Por esse motivo, ele passou a solicitar o direito à residência. ‘Precisei pagar todas as taxas, esperar, mas agora deu certo.
Estou embarcando em março. Sinto um frio na barriga, mas acredito que não vão me barrar desta vez.’ * Os nomes reais dos entrevistados foram alterados por fictícios a pedido deles.
Fonte: © G1 – Globo Mundo
Comentários sobre este artigo